As stablecoins são um tipo especial de moeda digital. Elas nasceram na efervescente indústria cripto, mas estão intimamente ligadas a ativos do mercado tradicional, como o dólar e o ouro.
Esse caráter híbrido, que une o mundo descentralizado do Bitcoin (BTC) ao ambiente extremamente regulado do sistema financeiro, ganhou popularidade entre os investidores, mas também atraiu a ira dos reguladores.
Neste guia, o InfoMoney conta como as stablecoins funcionam, quais são as mais importantes do mercado e como elas são criadas. Também explica quais são as vantagens e desvantagens de alocar recursos nelas.
O que são Stablecoins
As stablecoins são moedas com baixa volatilidade. “Stable”, na tradução para o português, é estável, e “coin” é moeda.
Elas têm essa característica um tanto quanto incomum no mercado criptomoedas, conhecido por suas curvas dignas de montanha-russa, porque seus valores são vinculados a outros ativos, como moedas fiduciárias (dólar, euro etc) e commodities (o ouro é o mais comum).
Como uma Stablecoin é criada
Assim como outras criptomoedas, normalmente uma stablecoin é criada em uma blockchain, um tipo de banco de dados que nasceu com o Bitcoin no final de 2008. No entanto, há uma grande diferença.
Quando uma moeda estável é colocada no mercado, seu emissor, que geralmente é uma empresa, precisa ter a mesma quantidade do ativo atrelado em caixa. Isso não ocorre com moedas como Bitcoin, Ethereum (ETH), Dogecoin (DOGE) e outras, que não têm lastro.
Exemplo: quando o consórcio Centre emite uma unidade de sua stablecoin USD Coin (USDC), precisa ter US$ 1 em sua conta bancária. De acordo com o agregador da indústria cripto CoinGecko, há 52,2 bilhões de USDC em circulação. Portanto, a Centre tem US$ 52,2 bilhões em suas reservas. Esses dados foram coletados no dia 10 de fevereiro de 2022.
A categoria de criptomoedas estáveis, na prática, segue a mesma lógica do padrão-ouro, sistema monetário que vigorou até agosto de 1971. Na época, a emissão de papel-moeda era atrelada à quantidade de metal que o país detinha no tesouro.
Tipos de Stablecoins
Há pelos menos quatro tipos de stablecoins no mercado:
Lastreadas em moeda fiduciária
São criptomoedas estáveis lastreadas em “moeda fiat” na proporção 1 por 1. Ou seja, para cada stablecoin gerada, a empresa/projeto emissor tem a mesma quantidade em caixa como reserva. Há no mercado stablecoins lastreadas em dólar, euro, real e outras. A USDC, da Circle, e o USDT, da Tether, são dois exemplos.
Lastreadas em criptomoedas
São stablecoins lastreadas em outras criptomoedas. É semelhante à moeda pareada em fiat, com a diferença de que a colateralização é feita com um ativo digital. Um exemplo é a DAI. Para que ela possa ser gerada, é preciso depositar ETH em um contrato inteligente.
Stablecoins lastreadas em commodities
Essa stablecoins são pareadas em commodities, como metais preciosos. O ouro é o ativo físico geralmente usado nesse tipo de moeda estável. Uma das principais representantes dessa categoria é a PAX Gold ([ativo= PAXG]).
Stablecoins algorítmicas
Esse tipo de stablecoin foge um pouco à regra. Em vez de ser baseada em um ativo, sua estabilidade é alcançada com base no uso de algoritmos e contratos inteligentes. A TerraUSD ( UST) é um exemplo. A DAI, mencionada como exemplo de stablecoin lastreada em cripto, também se identifica como algorítmica.
Quais são as principais Stablecoins atualmente
Há quase uma centena de stablecoins no mercado, segundo o CoinGecko. Abaixo, confira os cinco maiores projetos.
Tether (USDT)
Criada em 2014 por Brock Pierce (ex-ator de Hollywood e candidato a presidente dos Estados Unidos em 2020), foi a primeira criptomoeda estável lançada no mercado.
A empresa alega que uma unidade de USDT é pareada em um dólar. Especialistas sempre contestaram essa informação, e a empresa chegou a ser alvo de um processo da Procuradoria Geral de Nova York e teve que pagar uma multa milionária para encerrar o caso. Apesar das dúvidas que pairam sobre o negócio, a USDT é amplamente usada, e tem uma das maiores capitalizações de todo o mercado cripto.
USD Coin (USDC)
Foi lançada em 2018 pelo consórcio Centre, criado pelas empresas Circle e Coinbase. Assim como o USDT, é uma moeda digital pareada em dólar na proporção de 1:1.
A empresa afirma que guarda o valor equivalente ao número de moedas emitidas em contas de instituições financeiras regulamentadas nos EUA. O projeto é transparente com suas reservas, e passa por auditorias constantes feitas por empresas independentes.
Binance USD (BUSD)
É a stablecoin criada pela Paxos Trust Company, companhia que oferece infraestrutura de blockchain, em parceria com a Binance, maior exchange do mundo em volume de negociações. A moeda foi lançada em 2019, e também é atrelada ao dólar na proporção 1:1. A Paxos afirma que tem em seu caixa uma quantia de dólares americanos igual à oferta total de BUSD.
TerraUSD (UST)
A UST é a stablecoin algorítmica da empresa de blockchain Terra em parceria com a exchange Bittrex Global. Cada unidade dessa stablecoin, criada em 2020, equivale a US$ 1.
Seu processo de emissão, no entanto, é diferente do usado por USDC, USDT e BUDS. Para que uma unidade de UST seja posta em circulação, o equivalente a um dólar de LUNA, outra criptomoeda do grupo Terra, deve ser queimada. Ou seja, esse projeto não tem dinheiro depositado em uma conta bancária na mesma proporção que o total emitido de UST.
Um mecanismo de queima de outra cripto e algoritmos são usados para manter o preço da moeda estável igual ao dólar americano.
MakerDAO (DAI)
O projeto MakerDAO, lançado em 2014, foi um dos primeiros projetos de finanças descentralizadas (DeFi, na sigla em inglês) a rodar na rede do Ethereum. Sua stablecoin DAI é uma das principais representantes das moedas estáveis pareadas em criptomoedas. Para gerar unidades de DAI, é preciso deixar ETH em um contrato inteligente. E a colaterização, conforme apontou a exchange Gemini, costuma ser alta. Para pegar US$ 1 mil em DAI, disse a corretora, é necessário depositar US$ 2 mil em ETH em um smart contract.
Riscos e vantagens
Quando alguém compra uma stablecoin, é como se estivesse adquirindo o ativo ao qual ela é pareada. Segundo Cazou Vilela, CMO do Zro Bank, a grande vantagem de optar pela criptomoeda estável, e não seu ativo correlato, é a simplicidade do processo.
“É muito mais prático e menos burocrático você comprar uma stablecoin lastreada em dólar, por exemplo, do que comprar a moeda dos Estados Unidos. A cripto você pode adquirir e manter na sua conta aqui no Brasil. No caso do dólar, no entanto, isso não seria possível, pois é preciso ter uma conta fora do país. Além disso, a pessoa deve fazer operação de câmbio de envio, declarar que tem esse dinheiro lá e mais um monte de processos burocráticos”, falou.
A lógica vale para o ouro também. É complexo e caro comprar e armazenar uma barra do metal precioso. Para adquirir uma stablecoin pareada na commodity no Brasil, por outro lado, basta se cadastrar em uma corretora, transferir moeda fiat e comprar o ativo digital.
Investimento em stabelecoin, no entanto, também tem riscos. O principal, disse Vilela, está atrelado ao emissor do ativo. Segundo ele, o investidor precisa se certificar de que a companhia por trás do projeto está de fato sendo honesta, e criando moedas estáveis somente quando tem a mesma quantidade em caixa do ativo pareado.
“Não são todas as stablecoins de dólar, por exemplo, que têm a mesma confiabilidade, e isso pode afetar a liquidez. Então se você compra um ‘cripto dólar’ de alguém não confiável, e depois você quer vender isso na equivalência de um para um, pode ser que o mercado fale ‘mas pera aí, essa stablecoin eu não quero comprar, eu vou comprar de outro emissor”.
Uma investigação simples na internet, segundo Vilela, é suficiente para apontar quais são os projetos sérios. “Verificar notícias sobre o projeto e o tamanho de mercado, bem como sua quantidade de transações e liquidez, é mais que suficiente para você tomar uma decisão. Não é nada complexo essa análise, não precisa mandar uma auditoria do FBI em cima do emissor para investigar”, falou.
Como investir em Stablecoins?
No Brasil, é possível comprar stablecoins diretamente nas exchanges. A abertura de conta nessas empresas normalmente é gratuita. Basta acessar o site, fazer um cadastro, criar uma senha, enviar documentos pessoais (RG, CPF etc) e confirmar a identidade.
Após a finalização dos processos iniciais, basta enviar reais para a plataforma e trocá-los por stablecoins. As corretoras com operação no Brasil oferecem USDT, USDC, DAI, BUSD e outras. No país, segundo a Receita Federal, a criptomoeda estável mais usada pelos brasileiros é a USDT.
Stablecoins x criptos: quais as diferenças
Apesar de fazer parte da mesma indústria, stablecoins e criptomoedas têm algumas diferenças.
Lastro – As stablecoins têm seus valores vinculados a outros ativos, como dinheiro emitido por Banco Central, commodities ou mesmo outras criptomoedas. Moedas digitais como Bitcoin e Ethereum não têm paridade com nada. No entanto, alguns especialistas entendem que o lastro de BTC, ETH e outras criptos são suas próprias tecnologias.
Volatilidade – Como seus valores estão atrelados a ativos menos instáveis, as stablecoins têm mais estabilidade do que as criptomoedas. USDT e BUSD, cujos valores são pareados em dólar, dificilmente terão uma queda diária de 10%, o que é comum de ocorrer com as criptomoedas.
Valorização – Se por um lado a estabilidade é positiva, no outro é negativa. Isso porque investidores que detêm apenas moedas estáveis não conseguem aproveitar as grandes valorizações do mercado cripto. Só em 2021, por exemplo, o ETH valorizou pouco mais de 400%. Um cripto dólar, por outro lado, encerrou o ano passado com alta de apenas 7,36% em relação ao real.
Ativo contra inflação – Apesar de Bitcoin e outras criptos sofrerem no curto prazo com a instabilidade econômica global, parte dos investidores institucionais veem nelas ativos de proteção contra a inflação. Stablecoins ligadas a moedas fiduciárias, por outro lado, são totalmente suscetíveis a decisões governamentais e dos bancos centrais.
Centralização – As criptomoedas nasceram em um ambiente descentralizado. Já as stablecoins, em especial as atreladas a moedas fiduciárias, são centralizadas e têm grandes empresas por trás. De um lado isso é positivo – investir em USDC sabendo que há uma Coinbase garantindo o negócio gera segurança. Do outro é negativo, pois abre espaço para casos como o da Tether, que gera desconfiança nos usuários e dos órgãos públicos por causa da falta de transparência.
Regularização de Stablecoins – por que os EUA querem regular?
As stablecoins estão na mira dos Estados Unidos. Em novembro de 2021, o grupo de trabalho para mercados financeiros da gestão do presidente Joe Biden disse em relatório que as criptomoedas estáveis deveriam seguir as regras do sistema bancário. No mês seguinte, o Congresso foi provocado para a aprovar uma legislação sobre o assunto.
Um dos motivos da briga com as stablecoins, segundo o governo americano, é a falta de confiança nos emissores dessas moedas. A Tether, que emite a maior moeda estável do mundo, já foi alvo de processo em Nova York por fraudar relatórios, e teve que pagar uma multa milionária para acabar com o imbróglio judicial.
Os parlamentares e reguladores também perceberam que alguns investidores realizam lucros com BTC e altcoins, e costumam convertê-los para stablecoins no lugar do dólar para fugir da taxação.
Rubens Neistein, Country Business Manager da CoinPayments, disse que os governos querem regular as stablecoins porque o volume de transações com elas é gigantesco, tende a crescer e não está nas mãos deles.
“Estamos falando de uma criptomoeda que representa um ativo financeiro controlado por um órgão público federal, um tesouro de um país que está sendo gerido por uma empresa privada. Isso vai muito contra o que os governos querem, pois tira o poder dele sobre a sua própria moeda”.
Neistein falou que essa situação incomoda os estados, e é por isso eles estão buscando criar suas próprias stablecoins, as moedas digitais de bancos centrais (CDBCs, na sigla em inglês). “Todos os bancos centrais do mundo agora estão trabalhando para desenvolver suas próprias criptomoedas que representam o tesouro digital do país, em contrapartida das empresas privadas que já estão já fazendo isso hoje”.